Juiz de Fora, MG, 2020.
Concurso nacional.
Premiação: menção honrosa.
Arquitetura: Danilo Matoso Macedo
Consultoria de Paisagismo: Lúcia Helena Moura
Colaboradores: Emanuelle Bé, Matheus Carvalho, Alexsander Braga.
Pranchas do concurso
Explicação necessária
Princípios gerais
A proposta visa a reconfigurar – em sua forma e seu uso – a praça Antônio Carlos reforçando a geometria ortogonal resultante dos edifícios que a compõem quase que num quadrado, ao mesmo tempo em que se mantém a praça visível a partir das vias de grande fluxo adjacentes.
O eclético edifício da Alfândega Ferroviária do Estado de Minas Gerais, a neocolonial sede da 12ª Circunscrição de Serviço Militar e o industrial edifício que hoje abriga Centro de Formação do Professor conformam três lados de um quadrilátero, complementado pela avenida Getúlio Vargas.
O caráter arterial da antiga avenida Independência (atual Itamar Franco) acabou por subordinar pouco a pouco o desenho da praça a soluções de trânsito da região. Se originalmente a ortogonalidade potencial da praça já era cortada pelo desenho da avenida Dr. Paulo de Frontin, sucessivos ajustes transformaram o principal vértice da praça (avenida Getúlio Vargas com Itamar Franco) primeiro em uma rótula e logo numa composição em que os espaços vazios não são mais que resíduos da solução viária voltada à circulação do automóvel. A iniciativa da Prefeitura é uma oportunidade de devolver os espaços públicos ao pedestre, criando espaços de convívio amplos, capazes de dar lugar à mais variada gama de manifestações populares, ao mesmo tempo em que se amplia a permeabilidade do solo urbano no local.
De modo análogo, o conjunto de edifícios fundamentais da Companhia Têxtil Bernardo Mascarenhas (CTBM) sofreu muitas alterações e reconfigurações nem sempre compatíveis com o caráter das edificações. Sucessivos acréscimos, demolições, reformas, readaptações para uso nem sempre foram feitos tendo em vista o sentido de integridade original de cada edifício ou a unidade do conjunto.
Tal cenário ensejou a articulação de nossa proposta em três movimentos que permearão essa explicação necessária, desenvolvida na prancha 2:
1. Remover acréscimos e alterações que não coadunam com o sentido de integridade dos espaços urbanos e edificações;
2. Restaurar, requalificar e ressaltar a qualidade do conjunto edificado;
3. Complementar, e integrar o conjunto edificado por meio de elementos que garantam um sentido de unidade.
Escala urbana
O edital manifesta claramente a acertada intenção da Prefeitura de converter o quarteirão da rua Dr. Paulo de Frontin numa zona peatonal integrada à já reformada Praça Dr. João Penido (Praça da Estação). O corte de fluxo de veículos enseja a possibilidade de interrupção da continuidade dessa via pelo centro da Praça Antônio Carlos. A remoção dessa diagonal acaba por ressaltar o quadrilátero formado pelo atual Centro de Formação do Professor, pela alfândega, pela 12ª Circunscrição de Serviço Militar (12ª CSM), e pela avenida Getúlio Vargas.

Uma calçada de pedras portuguesas, tão usuais em Juiz de Fora, conforma de maneira marcante este quadrado de 75 metros de lado. Entre a calçada e os edifícios, mantém-se um calçamento nivelado – sem desnível de meio-fio – de paralelepípedos de granito, capazes de receber o fluxo local de veículos e separados das calçadas exclusivamente peatonais por divisores como esferas de concreto, bancos e elementos de iluminação: um espaço totalmente acessível sem necessidade de pequenas rampas para travessia. Uma esplanada central de 15 metros de largura – bem pavimentada com granito de 1,25×0,625 m e ladeada por dois renques de Pau-Ferro – corta o quadrado ligando do edifício da antiga Fábrica Mascarenhas ao edifício neocolonial da 12ª CSM. Aí ocorrerão os grandes eventos e atos públicos, com toda a liberdade possível.

Para conformar o lado “faltante” do quadrado, o caminho natural é uma edificação alinhada à avenida Getúlio Vargas. Mas uma praça exclusiva de pedestres, completamente fechada ao grande público que trafega nas avenidas, se tornaria uma espécie de pátio interno, perdendo sua vitalidade. A solução foi edificar abaixo do nível da avenida – paralelamente a ela –, com uma “loggia” aberta para dentro da praça por meio de um amplo talude gramado – devidamente ladeado por duas amplas rampas –, ao mesmo tempo em que se mantém aberta a conexão visual com a via de maior fluxo. Um renque de Jacarandás de Minas junto à avenida – bem como o alargamento da calçada no local – garantem a ambiência para o pedestre que circula na região. O talude, integrado à esplanada central, compõe a topografia ideal para grandes shows e comícios, formando um anfiteatro que parecerá natural à população, sem necessidade de palco formalmente constituído. Faixas de vegetação alternadas com faixas de areia compactada e pedrisco (permeável e mais resiliente ao uso e pisoteio cotidiano) fazem a ligação com o edifício da alfândega, gerando áreas de convívio já arborizadas.

Este edifício de subsolo aparente, que poderia chamar-se “Rua da Culinária”, seria formado por bares, cafés, restaurantes, ideal para “startups” de cozinha regional, bebidas artesanais etc.. A abertura voltada para nordeste garante que na parte da tarde e noite a área estará sombreada e já arrefecida. O acesso de carga e saída de lixo, necessário nesse tipo de uso, seria garantido por um pequeno pavilhão no nível da rua, com escada e elevadores devidamente separados pelo tipo de fluxo. O elevador pode ser usado ainda como acesso facilitado e coberto para o público com limitações de deslocamento.
Fluxo viário
Cabe atestar a viabilidade deste partido quanto ao fluxo de veículos e quanto à possibilidade de escavação no local.
É solicitação do edital romper a ligação da rua Dr. Paulo de Frontin com a Av. Getúlio Vargas, como elemento de trânsito regional rumo ao Centro via rua Halfeld – transformando aquele quarteirão numa via de pedestres. Entende-se que o trânsito nesse sentido seria articulado facilmente pela grande conectividade da malha viária adjacente, em que a avenida Getúlio Vargas é uma diagonal que resulta em vários cruzamentos. Nesse sentido, ou bem um trecho de mão dupla da própria Getúlio Vargas naquele quarteirão, ou bem o desvio pelas Ruas Ângelo Fauci, de um lado e Batista de Oliveira, por outro, seria a solução implícita.
A principal consequência de trânsito da proposta aqui apresentada seria o corte do acesso naquele ponto, das avenidas Getúlio Vargas e Itamar Franco à rua Ângelo Fauci (marginal à via férrea), hoje em certa medida feito pela travessa Dr. Prisco. A obra em fase de conclusão do viaduto Radialista José de Barros (na Itamar Franco) garante o acesso à avenida marginal de quem vem da outra margem do rio, tornando obsoleta a necessidade de circulação pela praça. Tanto para o trânsito da Getúlio Vargas quanto para o da Itamar Franco em sentido contrário, é possível acessar a rua Ângelo Fauci / Rua da Bahia por meio da Rua Espírito Santo, que tem uma caixa inclusive mais larga que a travessa Dr. Prisco.
Reza a história local – e foi informado no último lote de perguntas do concurso – que a praça Antônio Carlos foi fruto da canalização de um pequeno curso d’água que passava pelo local, em direção ao rio Paraibuna. A viabilidade de um subsolo sem risco de alagamento, porém, pode ser aferida pela presença de garagens nos subsolos dos edifícios lindeiros pela avenida Getúlio Vargas, notadamente o Cesar Park Hotel.
Elementos secundários de desenho urbano
Como já dito, todas as pavimentações da praça e da rua Dr. Paulo de Frontin seriam niveladas, separadas por elementos balizadores e pela própria diferença de materiais. Para esse trânsito local, foi retomado o acesso pela avenida Getúlio Vargas por meio de um calçamento em paralelepípedos ladeados por uma calçada de pedra portuguesa vermelha, exclusivas para os pedestres. A tonalidade harmoniza-se com os edifícios de tijolos aparentes próprias do conjunto edificado. Pequenos renques de Jerivás (que podem ser transplantados da atual praça) marcam as entradas do Mercado Municipal e outros edifícios de valor histórico. Em toda a praça Antônio Carlos e rua Dr. Paulo de Frontin, as redes de eletricidade, lógica e telefonia deverão ser enterradas.

Também para a alfândega e a 12ª CSM tal fluxo pela Getúlio Vargas está garantido por calçamento em paralelepípedos de granito cinza. Bancos e totens de iluminação em concreto aparente garantem boas condições de estar no local, sem interferir visualmente nos edifícios principais do conjunto. Por isso, na rua Dr. Paulo de Frontin, a posição desses totens é sempre oposta aos edifícios de maior importância no percurso – Mercado Municipal e Armazém do Porto – até a ligação com a praça.
O “bowl” de skate foi integrado ao desenho urbano – e não acrescentado como acessório estranho, de modo que os praticantes do esporte, tão ligado à vida urbana, estejam próximos da avenida, dos bares, dos edifícios culturais. O tanque do exército foi mantido próximo ao edifício correspondente, em meio à arborização preservada. O monumento a Bernardo Mascarenhas foi implantado na praça, no eixo central da perspectiva da rua Dr. Paulo de Frontin, como ponto focal final do percurso. De modo a ressignificar criticamente o monumento, sugere-se que a mulher trabalhadora e o escravo sejam separados do pé da estátua, constituindo monumento simétrico na mesma praça, e agora simbolizando os papeis fundamentais do negro e da mulher na construção da pujança econômica da cidade, bem como sua luta ainda atual contra a opressão.

Edifícios: novos símbolos, novos usos
A ressemantização do espaço urbano – de nó viário a praça de convívio – demanda alterações nos usos das edificações.
O Centro de Formação do Professor, embora parte da Administração Municipal, não possui uso público compatível com a nova importância que o edifício adquire na praça.
A Biblioteca Pública Municipal Murilo Mendes, por isso, ganharia sua nova sede nessa antiga Sede Administrativa da CTBM, e área compatível de 1600 m² distribuídos em dois pavimentos mais convenientes que as atuais instalações.

O galpão e seu edifício anexo, com 1500 m², passam a ser incorporados ao Centro Cultural Bernardo Mascarenhas (CCBM). Seu térreo abre-se para exposições comerciais de artistas locais, um quiosque de presentes, uma livraria e um café no mezanino. Os três pavimentos superiores passam a abrigar confortavelmente a administração, as dependências funcionários, a reserva técnica e as oficinas do CCBM, liberando os amplos salões do edifício principal original para exposições, eventos e artes cênicas. Esse novo saguão, de amplo acesso, ganha ligação direta pela entrada tanto com o CCBM original quanto com o Mercado Municipal, como se verá adiante.

O Centro de Formação do Professor passa a ser abrigado num edifício de um pavimento e terraço implantado no atual estacionamento lateral ao mercado. Um subsolo garante as vagas necessárias aos veículos dos funcionários do complexo. Um amplo pilotis aberto constitui uma desejável e necessária ampliação do espaço público, passível de utilização complementar tanto ao Mercado Municipal (feiras de alimentos, artes, artesanato) quanto ao CCBM (exposições, apresentações). Propõe-se um moderno cine-teatro de 162 lugares de acesso por este pilotis, e camarins com acesso pelo subsolo e ligação direta com o palco. A sala certamente assumirá com mais eficiência e maior público o papel da atual Sala de Encenação Flávio Márcio, no CCBM – a qual poderá ser reformada e também transformada num cine-teatro de 100 lugares. A linguagem arquitetônica, com tijolos de assentamento alternado e modulação rígida, harmoniza-se de modo contemporâneo com o galpão do mercado ao mesmo tempo em que garante iluminação, ventilação e privacidade adequadas.

É de se desejar que uma negociação da prefeitura com os proprietários do estacionamento particular e da copiadora adjacentes ao CCBM permitam, futuramente, o acesso público a esse pilotis também pela avenida Getúlio Vargas. Isso não apenas tornaria possível a construção de um segundo teatro/cinema no pilotis, mas também a ideia de que o conjunto do Espaço Mascarenhas está completamente circundado de vias de acesso público, como um quarteirão com identidade própria.

A estação elétrica remanescente da CTBM passa a abrigar o centro de visitantes e administração do conjunto do Espaço Cultural Mascarenhas, com fiscalização das empresas privadas parceiras e articulação entre os órgãos da Prefeitura. Sua presença junto ao alinhamento da rua indica aos transeuntes o início da zona peatonal da praça, definindo o ângulo do alinhamento da via local segundo o eixo da rua Santa Rita.
Tratamento das edificações: remoção de excessos.
Tanto interna quanto externamente, foram suprimidos os acréscimos das edificações que não compõem sua volumetria íntegra original: os camarins no CCBM, os sanitários externos, depósitos e escadas no Mercado Municipal, a cobertura com lanternim à entrada da atual biblioteca. Evidentemente, num nível de estudo preliminar e sem informação suficiente nos levantamentos até aqui fornecidos, não é possível aferir o trajeto histórico de todos os elementos dos edifícios e sua autenticidade. Tal estudo demanda levantamento detalhado e pesquisa histórica mais aprofundada de modo a assegurar a correta valoração de cada componente.
Quanto ao edifício anexo à Biblioteca, agora incorporado ao CCBM, acredita-se que sua implantação no miolo do quarteirão o coloca num segundo plano cuja volumetria – embora incompatível – não interfere decisivamente na leitura do conjunto. Além disso, são 1000 m² de área construída da Prefeitura que não devem ser simplesmente desprezados. Por isso, optou-se por dar um tratamento de fachada mais harmônico com o conjunto do Espaço Mascarenhas, revestindo-se todo o edifício com placas de terracota da mesma tonalidade dos tijolos aparentes existentes nos demais prédios. As rampas, excessivamente expostas à intempérie, ganham fechamento com elementos vazados do mesmo material.
De todas as edificações existentes buscou-se depreender os eixos e elementos ordenadores, devidamente representados aqui. Tal ordem estrutural regulou todas as adições, prevalecendo em todos os casos a modulação decorrente das dimensões dos tijolos, de 25cm, resultando em malhas modulares de 1,25m.
Após o incêndio que destruiu o edifício original do Mercado Municipal em 1992, a nova estrutura de concreto e a cobertura metálica ofereceram um amplo leque de possibilidades espaciais que infelizmente não foram devidamente exploradas na disposição das lojas e quiosques, cuja disposição parece completamente dissociada da própria configuração espacial da edificação. Provavelmente, foi incompreensão similar que motivou os indesejáveis anexos no fundo do prédio, bem como a subutilização do pavimento superior para os usos do mercado devido às parcas condições de acesso a ele.

Propõe-se assim uma completa reformulação da disposição interna do Mercado Municipal, com circulações horizontais claras e amplas e aproveitando-se os dois vazios entre os pavimentos para articular circulações verticais francas próprias de um centro comercial: escada, elevador, escadas rolantes capazes de atrair o público ao ascenso. Nas quinas do edifício, carentes de vitrine para os lojistas, foram instalados sanitários e escadas de emergência, além da conexão com o átrio da Biblioteca por meio de uma sala de exposições de material bibliográfico dentro do próprio mercado, a qual pode ser usada ainda para dinâmicas pedagógicas com o público infantil que acorre ao local, inculcando o gosto pela leitura.
Integração e complementação
A atual biblioteca e o CCBM serão integrados, compondo um conjunto único, por meio da abertura de vãos de 11m na ligação entre ambos, compondo um saguão de entrada. O atual edifício da Biblioteca passa a abrigar o hall de entrada do CCBM, com acesso público. A posição central desse edifício no conjunto permite que seu galpão com “sheds” se torne um elemento de integração entre os edifícios. Faz-se necessário, primeiramente, reforçar essa nova centralidade daquela entrada.

Tal papel é cumprido por uma marquise que incorpora os ângulos dos edifícios de modo dinâmico, configurando um espaço coberto de acolhimento que se estende até a passagem de veículos, permitindo desembarque a salvo da intempérie. Sob essa marquise, uma escada semi-coberta leva diretamente os visitantes à rua de subsolo aparente com bares, cafés, e restaurantes.
À semelhança de experiências bem-sucedidas como a Pinacoteca do Estado de São Paulo, ou as Secretarias de Estado de Belo Horizonte, o pátio entre a nova Biblioteca e o Mercado é coberto e fechado com uma estrutura de aço e vidro independentes, que em nada tocam as edificações, ao mesmo tempo em que sua disposição estrutural segue a ordenação sugerida por elas.
Neste átrio com pavimento de pedra preservado, que também articula a entrada ao edifício, a Biblioteca pode realizar eventos educativos e exposições.

Etapas e viabilidade econômica
No que concerne ao desenho urbano, a revitalização da rua Dr. Paulo de Frontin é a solução viável de baixo custo para dar início imediato as obras – demandando pouco tempo de projeto e execução. Com a obra concluída, granjeia-se apoio popular para o restante das intervenções de maior vulto.
A construção do novo edifício do Centro de Formação do Professor seria o segundo passo, necessário à liberação do edifício atual para restauro e complementações necessárias ao seu funcionamento como Biblioteca Municipal.
Além disso, o pilotis desse novo edifício pode abrigar temporariamente as tendas dos comerciantes do Mercado Municipal durante a reforma interna por que ele também passará.
Com a atual biblioteca liberada, procede-se a seu recondicionamento para funcionar como parte do CCBM, sem necessidade de cessar suas atividades – ou as de quaisquer das instituições aqui contempladas – durante todo o processo.
A rua semienterrada de restaurantes e bares pode ser feita com Parceria Público-Privada que permita a administração e sublocação do conjunto por uma empresa ou consórcio responsável pelos custos iniciais de implantação. Desonera-se assim a Prefeitura do encargo administrativo de licitar diversas concessões de uso, o que resultaria fatalmente em descontinuidade de ocupação do conjunto.







