Danilo Matoso Macedo
jul.2004
Texto adaptado de trabalho escrito para a disciplina “Dilemas Contemporâneos das Políticas Públicas ” ministrada no curso de formação para a carreira de Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental – ENAP pelo professor Carlos Pio, a partir de palestra do Sec. Executivo do MMA, Cláudio Langone.
Promover a construção sustentável dos assentamentos humanos é um tema de fundamental relevância dentre as questões relativas às políticas públicas de meio-ambiente. O impacto da expansão dos centros urbanos mede-se não apenas na extensão dos territórios ocupados e na qualidade de vida daqueles assentamentos, mas também na agregação de impactos ambientais regionais, decorrentes das indústrias provedoras de insumos à construção civil. A necessidade de ação do governo federal neste campo, tanto como regulador quanto como gestor de seu próprio patrimônio, não deve ser subestimada.
“A discussão sobre ´cidades sustentáveis´só tomou vulto nos últimos dez anos, graças aos impulsos dados pela Rio 92 [Agenda 21] e pela conferência ‘Habitat II’. [1] O planteamento da problemática que envolve a construção da cidade é ali auxiliada pela criação dessas arenas globais de debate dos assentamentos humanos e pela elaboração de marcos consensuais:
a) o fracasso das políticas de fixação da população rural em todo mundo, independentemente do contexto político ou econômico;
b) a efetividade do fato de que a cidade parece ser a forma que os seres humanos escolheram para viver em sociedade e prover suas necessidades; [2]
A construção civil urbana é responsável por uma elevada quota do consumo global de recursos [3] . Este fenômeno deve ser entendido em duas frentes: no dispêndio de energia envolvido na produção de insumos da construção civil e no consumo direto de energia nas edificações. [4] Estes fatos associam-se diretamente a algumas das propostas de ação da Agenda 21 Brasileira:
- busca de eficiência energética, implicando redução significativa nos níveis de consumo atual, sobretudo dos combustíveis fósseis e busca de fontes energéticas renováveis; (…)
- alteração nos padrões de consumo e diminuição significativa na produção de resíduos e uso de bens ou materiais não-recicláveis. [5]
Por outro lado, os assentamentos humanos em si, considerados como meio-ambiente, sofrem impactos diretos, em sua infra-estrutura, decorrentes de novas edificações erigidas no tecido urbano. São estes os já comumente relacionados nos RIMA (Relatórios de Impacto no Meio-Ambiente), decorrentes de adensamento de circulação automotiva, emissão de resíduos, contribuição para o aquecimento da superfície do solo, impacto no contexto histórico-cultural, diminuição da permeabilidade do solo urbano etc.
Numa escala ainda mais específica de meio-ambiente, podemos considerar a qualidade dos espaços internos dos edifícios: padrões de conforto térmico, lumínico e acústico segundo as normas internacionalmente estabelecidas. Assim, o impacto ambiental das edificações deve ser analisado na esfera pública sob quatro óticas:
- O impacto ambiental indireto agregado pelos insumos e processo fabril da construção e manutenção física do edifício;
- O impacto ambiental indireto decorrente do dispêndio de energia com equipamentos durante o uso do edifício;
- O impacto ambiental direto do edifício no tecido urbano em que se situa;
- A qualidade ambiental interna das edificações.
As duas primeiras óticas sugerem-nos que, na via oposta das políticas atuais de definição de parâmetros locais de impacto ambiental – normalmente nas mãos dos municípios [6] -, é necessário o estabelecimento de padrões nacionais de certificação ambiental ao nível de produtos e insumos ligados à construção civil. À semelhança da rotulagem ambiental – o chamado selo verde – já proposta pelo Ministério do Meio-Ambiente para produtos de consumo [7] , indicadores unificados de mensuração do impacto ambiental envolvido na fabricação de materiais de construção permitiriam aos avaliadores locais o juízo sobre o impacto ambiental agregado na construção de edificações. Este papel regulador só pode ser exercido no âmbito federal.
Ao apontar para a centralização, queremos enfocar um ramo de atuação direta na área ambiental passível de ser executado de modo necessariamente transversal em toda a administração pública federal. É a gestão do patrimônio imobiliário do Estado, atualmente gerido pela Secretaria de Patrimônio da União (SPU) – subordinada ao Ministério do Planejamento.
Não se trata aqui de um interesse unilateral dos ambientalistas. A gestão do patrimônio pela ótica do meio-ambiente implica em diversas conseqüências ligadas à economia de recursos e eficiência no funcionamento dos imóveis pertencentes ao Estado. É um poderoso motivo para a promoção da desejada transversalidade das políticas ambientais.
Primeiramente, promover a qualidade ambiental interna nos órgãos federais implica em melhores condições de trabalho aos servidores e no conseqüente aumento de sua eficiência. Em termos econômicos, isso significa redução de despesas de pessoal para o Estado. Hawken nos diz que “o escritório americano típico gasta cem vezes mais com pessoal por metro quadrado (salários, benefícios, impostos, e equipamento individual) que com a energia. (…) Se a produtividade do trabalho aumentar apenas um por cento, o benefício será equivalente à eliminação de toda a conta de energia.” [8]
Em segundo lugar, temos a possibilidade de articulação dos edifícios da União de modo mais flexível, mediante a padronização de elementos construtivos – divisórias, equipamentos, forros, pisos etc – e seu conseqüente reaproveitamento nas freqüentes reformas e reformulações feitas nos edifícios públicos. Conforme já postulamos em outro artigo [9] , um sistema informatizado de gestão unificada deste patrimônio criaria condições de intercâmbio de material construtivo entre os órgãos públicos, substituindo o atual processo de demolição – geração de resíduos sólidos – e aquisição de novos materiais – com o impacto indireto já apontado – por um processo de reciclagem e reaproveitamento de materiais construtivos. Sistemas integrados de gerenciamento desse tipo de informação – como o Sistema Integrado de Administração de Serviços Gerais: SIASG – encontram-se em funcionamento e mostram-se bastante eficientes na unificação dos valores e padrões de compra e gestão pública. Atualmente, o Ministério das Cidades, por meio do Programa Brasileiro para a Qualidade e Produtividade do Habitat – PBQP-H – [10] , tem se ocupado da sistematização dos processos construtivos nacionais. Uma ação conjunta deste programa e a SPU traria os claros benefícios econômicos e ambientais apontados.
Por fim, além da gestão integrada do espaço construído por meio de ferramentas ligadas à tecnologia da informação, o uso destas tecnologias per se tem por conseqüência natural a diminuição do espaço físico necessário à realização de tarefas pelo governo. Exemplos concretos de instituições bancárias e postos integrados de prestação de serviços sugerem-nos que o almejado desenvolvimento sustentável dos espaços urbanos pode e deve ocorrer sem o crescimento das cidades [11] e sem a necessidade de construção de novos edifícios pelo poder público.
A transversalidade das políticas ambientais não precisa ser meta de ação do MMA. Ela traduz-se na intrínseca intersetorialidade de algumas questões, como as apontadas. Elas necessitam apenas de uma articulação mínima entre os órgãos para mostrarem-se mais viáveis econômica e ambientalmente que a condição insulada atual.
NOTAS
[1] BEZERRA et al., 2002. P.88.
[2] Idem, p.88
[3] DER-PETROSSIAN, 1999. “some one-tenth of the global economy is devoted to construction and operation of residential and office buildings and one-sixth to one-half of the world’s major resources are consumed by construction and related industries(…) the building industry alone consumes some 40 per cent of the world’s energy, some 25 per cent of forest timber and 16 per cent of the world’s fresh water.”
[4] Hawken aponta que a relação entre ambos não é proporcional: “a energia requerida para criar a madeira, o reboque, a fiação as instalações hidráulicas, os tijolos etc. pode superar a energia de aquecimento e refrigeração que ele há de consumir em meio século.” HAWKEN et al. 1999. p. 94.
[5] BEZERRA et al., 2002. P.89.
[6] Sobre as políticas de descentralização da gestão ambiental, Cf. COMISSÃO…. 2002. p.56-57
[7] Cf. http://www.mma.gov.br/port/sds/index.cfm
[8] HAWKEN et al., 1999. p.84. O mesmo autor confirma-nos o óbvio: “o aumento da produtividade devido à melhoria das condições ambientais tem sido demonstrado por estudos que apresentam ganhos consistentes em produtividade do trabalho (algo entre seis e dezesseis por cento), uma vez que os trabalhadores se sentem mais à vontade em termos de temperatura, enxergam melhor o que estão fazendo e conseguem ouvir os próprios pensamentos. “
[9] MACEDO, 2002. p.5-6.
[10] Cf. http://www.cidades.gov.br/pbqp-h/
[11] Cf. LEFF, 2000. p.28.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BEZERRA, Maria do Carmo de Lima, FACCHINA, Márcia Maria e RIBAS, Otto. Agenda 21 brasileira: resultado da consulta nacional. Brasília: MMA/PNUD, 2002. 144p.
COMISSÃO de Políticas de Desenvolvimento Sustentável e da Agenda 21 Nacional. Agenda 21 Brasileira: ações prioritárias. Brasília: MMA/PNUD, 2002. 160p.
DER-PETROSSIAN, Baris. Conflicts between the construction industry and the environment. In Habitat Debate, vol.5 n.2. New York: The United Nations Centre for Human Settlements, 1999. Disponível na internet em jun.2004 no endereço: http://www.unhabitat.org/HD/hdv5n2/intro.htm#2
HAWKEN, Paul, LOVINS, Amory e LOVINS, L. Hunter. Capitalismo natural: criando a próxima revolução industrial. Trad. Luiz de Araújo e Maria Luiza Felizardo. São Paulo: Cultrix, 1999. 358p.
LEFF, Enrique. Globalización, ambiente y sustentabilidad del desarrollo. in: Saber ambiental: sustentabilidad, racionalidad, complejidad, poder. 3ed. Buenos Aires: Siglo Veintiuno, 2000. p.17-31.
MACEDO, Danilo Matoso. A tecnologia da informação e algumas de suas conseqüências efetivas para o projeto atual. Belo Horizonte: Escola de Arquitetura da UFMG. Disponível na internet em jun.2004 no endereço: http://www.arq.ufmg.br/arquiteturaeconceito/pdf/ufmg12.pdf (Seminário Arquitetura e Conceito)